Gilberto Lascariz

O primeiro BoS (Livro das Sombras) escrito por Gardner em 1949, como eu já havia longamente exposto numa workshop há três anos na Casa do Fauno, inspira-se longamente nos textos telemicos de Crowley, sobretudo o seu Levister Velis. A origem do Wicca encontra-se então nos recessos teológicos e litúrgicos de Thelema. Doreen Valiente eliminou-o sumariamente, mais tarde, arrancando a maior parte das referências telemicas substituindo-o por uma versão sua chamada "The Charge of Goddess" instalando o Wicca na tendência superficial das religiões new-age e neo-pagãs que hoje existem. Como texto a Charge é uma manta de retalhos de textos plagiados de várias fontes heteróclitas, uma espécie de collage, mas aparentemente coerente e inspirador.

Embora a herança telémica de Gardner tenha sido, no essencial, alterada e violada por Valiente, sem dúvida com a sua autorização, foi esta última versão que criou o início da degeneração de um sistema místico que se pretendia iniciático, transformado num modelo apostólico de igreja neo-pagã. Com isso vieram todas as tendências anómalas que conhecemos hoje, nomeadamente a mimetização das práticas das religiões populares como o catolicismo, imitando num escalão neopagão os seus modelos de devoção, moral, crença, liturgia, tudo isso numa perspectiva anti-iniciática, conseguindo, no entanto, com o seu revivalismo neo-pagão expandir-se e tornar-se nalguns lugares como a Inglaterra uma referência essencial das novas religiosidades. Porém, para isso, perdeu aquilo que a definia sob o ponto de vista esotérico: ser um sistema iniciático que propiciaria o eclodir da ecoconsciência cósmica.
Aqui têm um texto em que se desvela um pouco desse momento original de factura do primeiro Livro das Sombras e seu vínculo a Thelema, esse sim um verdadeiro sistema iniciático no quadro da A.A. O meu livro sobre Wicca visava precisamente inverter este processo degenerativo no baixo escalão do popular e do religioso e trazer algumas chaves esotéricas para retomar o espírito iniciático inicial de Gardner. Porém, ao fim e ao cabo também Gardner acabará por rapidamente se render fascinado à miragem das religiões, ao quantitativo e ao recrutamento fácil do "homem indiferenciado", como apodava Julius Evola, da população pequeno-burguesa ascendente e do proletariado urbano, repetindo o mesmo processo de amnésia agonística que acontece, desde o século passado, na Maçonaria e nos rosacrucianismos de revistas para dona de casa.

 Gilberto Lascariz

 http://www.thelemicunion.com/gerald-gardner-ordo-templi-orientis-new-greater-pagan-cult/