Gilberto Lascariz

Ainda se pensa hoje que ser Iniciado é passar por uma cerimônia cheia de símbolos e significados morais. Hoje os ritos de Iniciação tornaram-se meros Ritos de Passagem. Esta decadência no lado solidificado, exterior e objectal dos ritos iniciáticos revela bastante bem a ilusão e fascinação enganadora que esta palavra conserva. Então o que é feito do processo de Iniciação agora reduzido e alienado ao lado exterior e objectal do rito e ao lado exterior da pessoa na sua faceta humanista e moral ? O que lhe falta para servir de novo à eclosão da Gnose?

A decadência e ossificação das estruturas iniciáticas apócrifas em organizações de índole meramente cívica e social; a abertura a pessoas sem a mínima qualificação ou talento para o trabalho de revulsão iniciatória, contra tudo aquilo que em essência é a Iniciação; a sua tendência entrópica de fascínio pelo obscurantismo retórico do religioso e do discurso moral, valores típicos da cultura agregadora de colmeia do chamado "politicamente correcto" ou a sua descida no visceralismo alucinatório do psiquismo, são sintomas de uma "solidificação" que Guénon e Evola já temiam agravar-se com a emergência da sociedade moderna e a prevalência de um determinado tipo de homem.

Sendo a Iniciação stricto sensu reservada para os que trazem o talento heróico e prometeico para fazer a revulsão, ultrapassagem e libertação de tudo o que nos qualifica como seres humanos, tanto do ponto de vista racional como sentimental, então o que é a Iniciação? Então o que é feito do processo de Iniciação agora reduzido e alienado ao lado exterior e objectal do rito e ao lado exterior da pessoa na sua faceta humanista e moral ? O que lhe falta para servir de novo à eclosão da Gnose?
Ser um bom cidadão e defensor de valores humanistas e sociais não qualifica per si ninguém para ser um Iniciado.  À partida, do ponto de vista iniciático, até o pode desqualificar como sintoma de alguém ainda preso no mundo das aparências. Ter fortes valores morais não tem qualquer relevância sob o ponto de vista operativo do processo iniciático.

A moral não tem qualquer estatuto metafísico e ontológico, é apenas um cimento da vida social. Nos ritos de Mitra e da Samotrácia era necessário ter morto um homem para ser iniciado, isto é, o Homem no seu sentido gregário, moral e social, o chamado "hílico" entre os gnosticos ou o"Homem Massa", como lhe chamava o escritor Ernst Toller, para ser um "homem livre" da força de gravidade do grosseiro e vir a ser o subtil, o Iniciado. É necessário, por isso, que venha das profundezas do Espírito esse Cavaleiro Azul, que reporta o pintor Kandinski, e nos conduza para o sobrerealismo da experiência iniciática, espaço do não-espaço e tempo do não-tempo onde o corpo se espiritualiza e o espírito se corporifica.

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Vivemos uma época em que o processo iniciático aparece rebaixado a um mero simulacro e mimetismo teatral, sombra do que foi a antiga Iniciação de Mistérios. Reduzida a uma dramaturgia de cariz bíblico e apêlo moralista na Maçonaria Profana, ou Apócrifa como Martinez de Pascually a designava, adjectivo mais apropriado para a palavra Especulativa, e a um mau teatro de folclore e superstição de entretenimento em muitos dos revivalismos do Neo-Paganismo moderno, a palavra Iniciacão esvaziou-se de seu significado anagógico e de sua dimensão supraracional e não-humana, nada mais servindo do que reforçar os valores do bom cidadão, seja o bom devoto ou o bom humanista. Em nenhum dos casos nada disso tem qualquer relação com os Processos Iniciáticos. Então o que são processos Iniciáticos?

Enquanto Magister da Irmandade da Serpente da Alba e Hierofante no grau 33, 66, 90, 95 e 97 do Soberano Santuário Hermético da Lusitânia, no Rito Antigo e Primitivo de Memphis-Misraim, a questão da Iniciação e das condições necessárias para a sua operatividade é um tema muito preocupante face à tipologia de homem alienado e obscurantista que a sociedade moderna promove sob o verniz do homem livre e humanista típico das sociedades do capitalismo neo-liberal de hoje.

Como passar, então, do pequeno homem humanista de "bons costumes", preso na ilusão do valor moral e seus corolários religiosos ou políticos de perfeição humana e passar para lá do próprio homem, no processo de auto-deificação e plena liberdade ôntica? Se o lugar de Deus está desde o grito nietzschiano dentro do homem, não qualquer homem mas um determinado tipo de homem, isto é, no poeta, no inquieto, no rebelde e no herói, modelos da primeira Mãe do homem cujo cérebro foi incendiado pelo fogo da Serpente Prometeica, onde estão estes homens e mulheres que trazem, muitas vezes sem o saber, a tocha da húbris iniciática? Sem esses homens e mulheres o processo iniciático embora eterno e primordial poderá decair no esquecimento de uma humanidade estupidificada de valores tanto pueris como moralistas

Gilberto Lascariz

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